A retórica comercial e a realidade econômica: a relação Brasil–EUA em perspectiva


A relação comercial entre o Brasil e os Estados Unidos tem sido marcada por altos e baixos, influenciada por fatores econômicos, políticos e ideológicos. Nos últimos anos, especialmente após 2024, declarações públicas de líderes norte-americanos, como o ex-presidente Donald Trump, caracterizaram o Brasil como um “péssimo parceiro comercial”. No entanto, uma análise detalhada dos dados oficiais revela uma realidade distinta, evidenciando a complexidade e a importância dessa relação para ambos os países.


A realidade econômica: superávit comercial dos EUA com o Brasil

Contrariando as alegações de déficits comerciais, os dados do United States Census Bureau e do Office of the United States Trade Representative (USTR) demonstram que os Estados Unidos mantiveram um superávit comercial com o Brasil nos últimos anos. Em 2024, o superávit foi de US$ 7,4 bilhões, resultado da diferença entre exportações e importações de bens. Esse superávit não é um fenômeno isolado; desde 2008, os EUA apresentaram superávits anuais na balança comercial de bens com o Brasil, com exceção de 2015. Em 2013, por exemplo, esse saldo positivo chegou a US$ 16,5 bilhões, um dos maiores da série histórica.

Além disso, o comércio de serviços também contribui para o fortalecimento da relação bilateral. Em 2024, o comércio total de serviços entre os dois países foi estimado em US$ 36,1 bilhões, com os EUA exportando US$ 29,6 bilhões e importando US$ 6,5 bilhões. O superávit em serviços foi de US$ 23,1 bilhões, representando um aumento de 31,9% em relação ao ano anterior.


A retórica política e suas implicações

Apesar dos dados econômicos favoráveis, declarações de líderes políticos, como a de Trump, caracterizando o Brasil como um “péssimo parceiro”, refletem o uso da retórica como ferramenta de poder. Tais afirmações podem ser vistas como estratégias para justificar políticas protecionistas, como tarifas e pressões econômicas, e mobilizar apoio político interno, independentemente da realidade econômica subjacente.

A imposição de tarifas, como a de 50% sobre produtos brasileiros anunciada por Trump em 2025, exemplifica o uso da política comercial como instrumento de pressão. Essa medida foi justificada com base em supostos déficits comerciais e questões políticas internas brasileiras, como o tratamento dado ao ex-presidente Jair Bolsonaro. No entanto, como evidenciado pelos dados, os EUA mantêm um superávit comercial com o Brasil, tornando a justificativa econômica questionável.


A dinâmica de poder na relação bilateral

A relação Brasil–EUA exemplifica como interesses estratégicos e comerciais podem se entrelaçar, resultando em uma dinâmica de poder assimétrica. Embora os EUA apresentem superávits comerciais, o Brasil possui ativos estratégicos significativos, como recursos naturais abundantes e uma posição geopolítica estratégica na América Latina. Esses fatores conferem ao Brasil uma importância que transcende os números da balança comercial.

Além disso, a crescente influência do Brasil em fóruns multilaterais e sua aproximação com blocos como os BRICS indicam uma mudança nas dinâmicas de poder globais. Tais movimentos podem ser percebidos como desafios à ordem internacional liderada pelos EUA, influenciando suas políticas externas e comerciais.



A análise da relação comercial entre Brasil e Estados Unidos revela uma complexidade que vai além das declarações políticas e das retóricas utilizadas por líderes de ambos os países. Os dados econômicos demonstram que, apesar dos superávits comerciais dos EUA, a relação bilateral é multifacetada, envolvendo interesses estratégicos, políticos e econômicos. Compreender essa dinâmica é essencial para avaliar as políticas comerciais e as estratégias de poder adotadas por ambos os países no cenário internacional contemporâneo.


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